__________________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________________ MUCABA ANGOLA C.CAÇ.2613: MEMÓRIAS SOLTAS DE UM EX-COMBATENTE 11

2006-07-09

MEMÓRIAS SOLTAS DE UM EX-COMBATENTE 11

ARTILHARIA PESADA
Eu já sabia, já era de esperar, mas quem dorme com um olho aberto e outro fechado nem sempre tem a memória fresca para aquilo que é óbvio.
A caravana da artilharia pesada tinha chegado ao nosso aquartelamento da Serra da Ambuila, pela manhã, fizeram os preparativos durante todo dia, um dos Obuses foi alinhado, pela fila de barracas do lado direito do aquartelamento, era nesse enfiamento que se encontrava um acampamento inimigo eles sabiam pelo reconhecimento aéreo, nós sabíamos porque nos dias limpos se via a coluna de fumo que saia da mata nesse sitio, em linha recta talvez a uns seis ou sete quilómetros.
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Sabíamos que o festival de artilharia ia ser à noite, so´ não sabíamos a hora, jantamos cedo como era hábito, e cada um recolheu ás suas barracas ( as barracas pré-fabricadas em madeira, com telhado de chapa de zinco, eram polivalentes, algumas eram só dormitório nem se podia chamar caserna, outras como a minha, era Posto de Socorros e Posto de Rádio, e dormitório dos respectivos especialistas, e esta ficava na fila do lado direito do aquartelamento, naquela noite no alinhamento de um canhão de 80 mm ), mas como ia dizendo cada um foi para os seus aposentos excepto claro os sentinelas, lia-se um livro jogava-se as cartas ou escrevia-se os aerogramas que estavam em atraso para as respectivas famílias ou madrinhas de guerra.
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Por volta das 22 horas era desligado o gerador e a partir daí a única luz que se via nos improvisados dormitórios eram as velas ou aponta de um cigarro que se fumava antes de tentar passar umas horas pelas brasas, eu como quase sempre, estava de Cabo de dia, tinha que ir fazer a mudança de sentinelas à 1 hora, deitei-me e passados poucos minutos estava nos braços de Morpheu!, ou seja, adormeci, eu sabia que acordava à hora de fazer a rendição, não me lembrei mais de malfadada Artilharia. Ainda não era uma da matina, um enorme estrondo fez tremer toda a estrutura da barraca, arrancando parte do telhado de zinco, e atirando ao chão todos os frasquinhos existentes nas prateleiras do " Posto de Socorros ". Saltei da cama peguei na G3 e de um salto estava deitado no chão à porta do meu Posto, foi quando ouvi um segundo estrondo e uns vinte metros mais acima à minha esquerda vi no escuro da noite a língua de fogo que fazia o enorme canhão ao disparar, a deslocação de ar do obus a passar por cima da barraca teve o efeito de um furacão. Foi isso que arrancou telhado, e me deitou os medicamentos ao chão.
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Eu sabia que ia haver fogo eu deveria estar preparado, mas... haveria alguém preparado???
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Assim como não havia ninguém preparado para, no mesmo local e também por volta da mesma hora, um camarada de armas, num acesso de alguma loucura inexplicável, começar a disparar de dentro do aquartelamento contra todas as barracas/dormitório, felizmente sem vítimas a lamentar.
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Mas isso é outra história que eu vou tentar recordar e contar noutra ocasião
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