__________________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________________ MUCABA ANGOLA C.CAÇ.2613: MEMÓRIAS SOLTAS DE UM EX-COMBATENTE -15

2006-08-27

MEMÓRIAS SOLTAS DE UM EX-COMBATENTE -15


HOJE TENHO UM MAU PRESSENTIMENTO

Antes de me deitar preparei o saco porque de manhã partíamos para mais uma missão na Serra de Mucaba, desta vez eu sabia para que lado ia, ia-mos de unimogue até à fazenda do
Virúla, e dali seguia-mos para norte, íamos procurar e destruir, o que segundo as informações, era um grande aquartelamento dos guerrilheiros, e eu estava com um mau pressentimento, em vez da pistola Wallter que poderia levar, resolvi levar a G3, era mais pesada mas dava-me mais conforto, duas granadas defensivas e cinco carregadores para a G3 completavam o arsenal, de manhã antes de partir prepararia e reforçaria a bolsa de enfermeiro.

Passados os cafezais, seguimos um capinzal no qual não nos via-mos uns aos outros o capim tinha mais de dois metros de altura, e estava tão seco que estalava a cada pisadela, só me lembrava o que um simples fósforo poderia fazer ali se fosse colocado no sitio certo, e ainda estava-mos a cerca de 500 metros da mata, só descansei quando começamos a embrenhar-mo-nos na mata, aí teríamos outros perigos mas pelo menos sabia-mos que não ardia.

Já todos dentro da mata começámos a abrir caminho com o guia à nossa frente brandindo a catana contra ramos de fetos e lianas qual Dom Quixote brandindo a espada, depois de um ou dois quilómetros de mata cerrada em que apenas se ouvia o ruído da catana cortando ramos e o estalar de outros debaixo das nossas botas, eis que surge um trilho bem calcado, era hora de confrontar com a bússola e o mapa, para que lado seguiría-mos, o Alferes, salvo erro Martins, colocou a bússola sobre o mapa e traçou um caminho que se os cálculos não estivesse errados nos levaria até ao objectivo.

Como o caminho traçado coincidia com a direcção do trilho, seguimos este tendo o cuidado de pisar mais fora do trilho pois este poderia estar armadilhado, e era o que menos interessava naquele momento era topar com alguma Mina A.P., encontramos nesse trilho várias armadilhas para javalis, feitas com pequenos laços em cabo de aço fino que era disfarçado ardilosamente numa pequena vedação de ramagem ao longo do trilho, em que deixavam um buraco, o bicho tentava passar pelo buraco, passava a cabeça mas já não passava o corpo, e como a ponta do cabo estava presa a uma árvore, o laço apertava e o animal já dali não se safava.

A existência dessas armadilhas deu-nos a certeza de que estávamos no bom caminho, durante algum tempo o trilho levou-nos por um vale de mata bastante cerrada, até que começamos a subir uma pequena encosta e para nossa surpresa repentinamente o silêncio da mata foi cortado pelo ruído característico de rajadas de espingardas automáticas, pelo cantar deveriam ser uzis e kalasnikove as balas assobiavam-nos aos ouvidos, vindas do cimo da encosta que nos preparava-mos para subir.

Atirei-me para o chão e rastejei até ao tronco grosso de uma árvore, quem do cimo do morro estava a atirar na minha direcção, deveria ter fraca pontaria pois só me caíam para cima lascas da árvore, que estava a ficar toda descascada, coloquei-me a jeito e comecei a disparar a G3 em curtas rajadas para o local de onde vinham os tiros, encolhido atrás de mim estava um dos carregadores negros que tremia como varas verdes (como se costuma dizer). Entretanto o homem da Bazuca, que não me recordo quem era, apontava já a dita para o alto do morro.

A primeira bazucada falhou o alvo, a segunda deve ter rebentado numa arvore mesmo por cima do aquartelamento do inimigo, os tiros cessaram no alto do morro, e nós deixamos também de disparar, perguntei em surdina se alguém estava ferido, felizmente a resposta foi negativa, tirando o nervoso “ miudinho “ estava tudo bem, atiramos duas ou três granadas lá para cima e preparamos para, com os devidos cuidados, subir para finalizar a nossa missão, destruir aquela posição dos guerrilheiros.

Os primeiros a entrar no acampamento, tomaram as devidas posições de defesa de modo a evitar alguma surpresa, pois embora já não estivesse ninguém, poderiam preparar um contra-ataque enquanto estivéssemos ocupadas a queimar as palhotas. Aquele devia ser um verdadeiro centro de comando, as cubatas formavam um círculo, tinha telhado de folhas de zinco ondulada, no centro do acampamento, construída em madeira embora fixa ao chão uma mesa com uns 3 metros de comprido à volta várias cadeiras construídas com troncos também fixadas ao chão, um mastro de bandeira, e um quadro de madeira para fixar ordens de serviço e comunicados.

Um dos camaradas encontrou até um sistema de saneamento, ao sentir que o chão que pisava soava a oco levantou uma tábua e meteu a mão pensando encontrar algo valioso, ou algum depósito de munições, e o que encontrou foi uma fossa cheia de trampa… depois de vistoriadas todas as cubatas foi a vez de entrarem em acção os fósforos e isqueiros, e em poucos minutos estava tudo a arder.

Depois foi a retirada do local enquanto era dia, depois de escurecer tornava-se mais perigoso encontrar um bom local para montar o acampamento, uma vez que o nosso objectivo tinha sido alcançado com êxito, foi decidido sair da mata onde seria mais fácil para os nossos amigos guerrilheiros montar-nos uma emboscada, já que estariam desejosos de se vingar. Já começava a desaparecer o sol no horizonte quando alcançamos a orla da floresta, entramos no capinzal e no primeiro morro acampamos a coberto do capim.

A noite passou sem problemas, aos primeiros raios de luz, levantamo-nos e começamos cada um a preparar o “ mata-bicho “ bolachas Capitão com marmelada e um pacote de leite com chocolate, acho que não cheguei a dar primeira dentada, dum pequeno tufo de arvoredo a uns 200 metros, os nossos amigos quiseram fazer a alvorada, os tiros de armas automáticas fizeram-se ouvir no silêncio da manhã, tinham-nos seguido e tentaram dali alcançar o morro onde nos encontrava-mos. Como já não estávamos a dormir, ripostamos, mas possivelmente nós estava-mos mais visíveis, e estávamos a dar tiros no escuro.

A solução era a velha bazuca, o primeiro disparo foi um pouco para lá do alvo mas o segundo acertou em cheio, ao som dos vários nomes que nos costumavam chamar, à mistura com algumas ofensas às nossas mães, lá abandonaram o local e nem valia a pena lá ir pois nunca deixavam nada para traz, acabamos a nossa refeição da manhã, e seguimos pois tinha-mos um encontro marcado com os “ Burros “ de mato alguns quilómetros mais à frente.

Afinal, tinha sido só um mau pressentimento, tudo correu dentro do normal, até à próxima operação!

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Caro edgar Moreno,

Parabéns por esta sua página. Estarei linkando no meu site, o qual está desde já convidado a ingressar. ( A ínica premissa do site é a identificação do participante)

É um site de História, pesquisas e biografias de todos os países, factos e pessoas que contribuiram para o destino de Moçambique, entre eles, Angola, Portugal e Angola. Factos históricos desde as descobertas, passando pela "Exemplar descolonização vergonhosa"

Existe uma zona de Ex-Combatentes que desde já peço a sua autorização para lá colocar estes seus artigos.....

Espero-o lá pois tenho a certeza que irá gostar e participar

Desculpe aqui deixar esta mensagem mas não encontrei o seu email directo

Abraços
Jose Maria Mesquitela

7:01 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

What a great site business card reader for palm pilot

9:01 da tarde  

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