__________________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________________ MUCABA ANGOLA C.CAÇ.2613: OUTRAS MEMÓRIAS...

2007-03-31

OUTRAS MEMÓRIAS...


Não sei onde estás! De ti tenho apenas a memória, nada mais, um fugaz relampejo da tua imagem, foi ela a minha companheira de tantas caminhadas foste tu o sol que me iluminou tempos sem fim, mesmo sem te ver, tu estavas lá, estavas sempre lá, mas era à noite… era à noite que a tua presença mais se fazia sentir, quando estava só com os meus pensamentos, então tu aparecias ao meu lado com o teu sorriso malicioso os teus lábios carmim pedindo que te beijasse, então eu acariciava a tua pele clara e sedosa, encostava nos teus os meus lábios sedentos de amor, levemente, como se tivesse receio de te magoar. Acariciava ternamente os teus cabelos lisos e dourados, ouvia o leve sussurro dos teus lábios junto ao meu ouvido sentia a brisa suave e quente que saía da tua boca quando dizias, meu amor como eu te amo, nós somos loucos! Eu respondia num sussurro, sim, loucos de amor.

E era assim juntinhos segredando ao ouvido um do outro, os corpos entrelaçados como se fossem um só que finalmente vencido pelo sono adormecia. De vez em quando estranhos mas familiares ruídos me acordavam , mas logo voltava a adormecer, nem o calor tropical nos afastava, nem mesmo o temor da guerra, (esta guerra que não tinha fim) o medo da morte, a angustia sentida em cada caminhada pelos trilhos e picadas das imensas matas do norte de Angola, fazia arrefecer este nosso amor, ele era mais forte de que tudo, um amor que tudo suportava. Nem a separação, nem mesmo morte que me espreitava em cada recanto daquela mata, atrás de cada árvore, nada nem ninguém assombra este amor feito de poesia, és a musa inspiradora das dezenas de poemas que fiz para ti.

Oh! Meu amor como é belo o teu sorriso quando te debruças no varandim da tua casa quando eu passo, quando te mostras atrás vidraça… num sorriso tímido, talvez a tua mãe tenha razão, quando te diz para teres cuidado, para não te envolveres muito, e que nós somos militares, e hoje estamos aqui amanhã sabe-se lá onde… mas quando penso que um dia nos separaremos então apodera-se de mim uma tristeza que não tem fim. Amanhã parto para o mato…é mais uma missão, sei que não deixarás de pensar em mim, tal como eu não vou deixar de pensar em ti, sei que rezarás para que nada me aconteça, e eu, à noite olhando o céu por entre o arvoredo desta mata imensa, verei as estrelas e em cada uma delas verei o teu belo rosto, os teus encantadores olhos azuis, brilhando no céu escuro.

E ouvir-te-ei dizer, meu amor, estou aqui, quando, inesperadamente, no céu uma estrela
cadente passar, tão forte tão brilhante, o seu rasto dourado assemelhar-se-há ao teu cabelo, tão louro e comprido como o rasto daquela estrela, então com um terno e doce beijo despeço-me de ti e finalmente adormeço! Mas continuarei, vendo-te ao meu lado tão bela tão doce que desejarei que a noite não mais tenha fim.

Repentinamente ecoaram pela mata estalidos secos de armas automáticas que me pareceram tão longínquos que fiquei por breves momentos a pensar onde estava, mas fui violentamente arrancado aos meus pensamentos pelo meu companheiro de abrigo; acorda pá estamos a ser atacados, o sol rompia já no horizonte, voltei então a ouvir estão a atacar-nos peguem nas vossas armas, continuem deitados no chão, os gajos acordam cedo dizia o meu companheiro do lado, vamos correr com eles dizia outro, poupem as munições, dizia o nosso Alferes, nada de rajadas, disparem só para o que virem mexer!!! Bazuca!!! Quem tem a bazuca ponha-se em posição sem se expor e aponta-me essa merda como deve ser, vai, fogo nos gajos, da boca em forma de sino, da Bazuca sai uma língua de fogo, aí vai ela, o projétil rebentou com um forte estrondo ouvem-se mais alguns tiros vindos do outro lado da mata, e alguns impropérios a nosso respeito e das nossas mães, e já a bazuca voltava a vomitar metralha, novo rebentamento e não se ouviram mais tiros, o inimigo debandava já do local, um pequeno grupo foi fazer o reconhecimento do sítio do ataque, e apenas encontraram, alem de muitos invólucros de balas vazios, e um pequeno rasto de sangue provavelmente de algum ferido pelo nosso fogo, já os posemos a andar. A voz do Alferes fez-se ouvir, levantar o acampamento ainda temos dois dias pela frente, mexam-me essas pernas, e olhos bem abertos, só paramos algum tempo depois para o “ mata-bicho “ que o corpo não é de ferro.

Só então após ingerir duas bolachas “ Capitão “ e uma lata de leite com chocolate, e depois de acender um cigarro, retomei os meus pensamentos interrompidos pelo matraquear das automáticas, afinal até aqui, tudo não tinha passado de um sonho, a minha musa estaria bem longe dali, mas estava bem viva no meu pensamento.